Políticas Públicas e a inclusão das doenças raras no SUS

23/08/2024 | Outro autor

As doenças raras, que afetam um número limitado de pessoas em relação à população geral, representam um dos maiores desafios para os sistemas de saúde em todo o mundo. No Brasil, esse desafio se manifesta de forma contundente dentro do Sistema Único de Saúde (SUS). A inclusão de tratamentos para doenças raras no SUS não é apenas uma questão de saúde pública, mas também uma questão jurídica central, envolvendo direitos fundamentais garantidos pela Constituição Federal.

Em 2014, o Brasil deu um passo importante com a criação da Política Nacional de Atenção Integral às Pessoas com Doenças Raras, estabelecida pela Portaria nº 199 do Ministério da Saúde. Essa política visou estruturar o atendimento às pessoas com doenças raras em três eixos principais: diagnóstico, tratamento e reabilitação.

Essa iniciativa, no entanto, deve ser vista sob uma perspectiva crítica quanto à sua efetividade jurídica. A existência de uma política pública, por si só, não garante a plena realização dos direitos à saúde e à vida. A política precisa ser acompanhada de mecanismos eficazes de implementação e fiscalização para assegurar que os objetivos propostos sejam alcançados.

A judicialização da saúde tem se tornado um fenômeno crescente no Brasil, especialmente no contexto das doenças raras. A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 196, assegura que "a saúde é direito de todos e dever do Estado", mas o cumprimento desse dever, no caso das doenças raras, tem encontrado barreiras significativas.

A ausência de tratamentos disponíveis no SUS ou a demora na inclusão de novos medicamentos e terapias nos protocolos clínicos têm levado inúmeros pacientes a recorrerem ao Poder Judiciário para obter o tratamento necessário. Esses processos judiciais, que muitas vezes resultam em decisões favoráveis aos pacientes, evidenciam um descompasso entre o direito formal e a realidade prática do sistema de saúde.

No entanto, a judicialização também levanta questões complexas sobre a equidade no acesso aos recursos de saúde. Decisões judiciais individuais, embora legítimas sob o prisma do direito à saúde, podem comprometer a alocação racional de recursos do SUS, impactando negativamente a coletividade.

O Estado tem a obrigação constitucional de garantir a saúde de todos os cidadãos, o que inclui a responsabilidade de fornecer tratamentos adequados para doenças raras. No entanto, para que essa obrigação seja cumprida de forma efetiva, é necessário que as políticas públicas estejam em constante aprimoramento e adaptação às necessidades dos pacientes.

A implementação da Política Nacional de Atenção Integral às Pessoas com Doenças Raras requer uma articulação eficiente entre os diferentes níveis de governo e uma alocação de recursos que permita a criação e a manutenção de centros de referência capacitados. Além disso, é fundamental que o processo de incorporação de novos tratamentos no SUS seja agilizado, para evitar que a judicialização continue sendo a principal via de acesso a terapias inovadoras.

O principal desafio jurídico no tratamento das doenças raras no Brasil é a harmonização entre o direito individual e a gestão coletiva dos recursos do SUS. O avanço na inclusão de tratamentos para essas doenças no SUS depende não apenas de decisões judiciais, mas também de um fortalecimento institucional e de uma revisão constante das políticas públicas.

A criação de um sistema nacional de registro de pacientes com doenças raras seria um passo fundamental para a gestão mais eficiente desses casos. Além disso, a formação de parcerias público-privadas pode acelerar o desenvolvimento e a disponibilização de novos medicamentos e terapias no país.

O enfrentamento das doenças raras no Brasil exige uma abordagem multidisciplinar, que combine o direito, a saúde pública e a gestão de recursos. O fortalecimento das políticas públicas voltadas para essas condições é crucial para garantir que os pacientes recebam o tratamento necessário sem depender exclusivamente da judicialização. O papel do Estado é, portanto, central na realização dos direitos fundamentais e na construção de um sistema de saúde que seja verdadeiramente inclusivo e equitativo para todos os cidadãos.

Por Michelle Wernéck- Advogada

 

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